terça-feira, 3 de abril de 2012



----- Mensagem encaminhada -----
De: Art Cultural Brasil
Para:
Enviadas: Terça-feira, 3 de Abril de 2012 8:25
Assunto: UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO - Tríade poética juiz-forana
 
 
UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM PASSADO E SEM FUTURO HISTÓRICO
TRÍADE POÉTICA JUIZ-FORANA
 
Professora Universitária de Literatura Brasileira
Arapongas - Paraná
 
UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM PASSADO E SEM FUTURO HISTÓRICO
 
Introdução

O blog artculturalbrasil, que tem primado pela excelência na arte de divulgar a Literatura em toda a sua amplitude, apoiando escritores e incentivando leitores à leitura de memória e da imaginação, muito mais significativas que a simples leitura com os olhos, aquela da decodificação, abre as portas para este projeto de resgate e divulgação da literatura mineira, mais especificamente de escritores juizforanos, por ser Juiz de Fora um dos mais importantes centros culturais brasileiros.
 
Contextualização

As origens de Juiz de Fora remontam a época do Ciclo do Ouro, portanto confundem-se com a história de Minas Gerais. A Zona da Mata, então habitada pelos índios puris e coroados, foi desbravada com a abertura do Caminho Novo, estrada construída em 1707 para o transporte do ouro da região de Vila Rica ( Ouro Preto ) até o porto do Rio de Janeiro. Diversos povoados surgiram às margens do Caminho Novo estimulados pelo movimento das tropas que ali transitavam, entre eles, o arraial de Santo Antônio do Paraibuna povoado por volta de 1713.

Em 1850, o arraial de Santo Antônio do Paraibuna foi elevado à categoria de vila, emancipando-se de Barbacena e formando um município. A elevação à categoria de cidade ocorreu quinze anos depois, quando foi adotada a denominação de Juiz de Fora. Este curioso nome gera muitas dúvidas quanto à sua origem. O juiz de fora era um magistrado nomeado pela Coroa Portuguesa para atuar onde não havia juiz de direito. A versão mais aceita pela historiografia admite que um desses magistrados hospedou-se por pouco tempo em uma fazenda da região, passando esta a ser conhecida como a Sesmaria do Juiz de Fora. Mais tarde, próximo a ela, surgiria o povoado. A identidade exata e a atuação desse personagem na história local ainda são polêmicas.Creio ser importante tecermos algumas considerações sobre alguns de seus símbolos: a bandeira e o hino.

A bandeira de Juiz de Fora foi concebida com um propósito de simplicidade. Apenas as faixas com as cores constantes do escudo, menos o ouro e o negro. É descrita assim: "Cinco faixas de três alturas diferentes, composta com as cores que se destacam no brasão de armas do Município: azul, vermelho, verde e branco. A primeira, de quatro módulos, em azul; a segunda, de um módulo, em branco; a terceira, de três módulos, em vermelho, carregada, ao centro, de um triângulo equilátero de dois módulos, em branco; a quarta, de um módulo, de branco; a quinta, de quatro módulos, de verde. A explicação, ou interpretação é a seguinte: "As cores, com as respectivas significações heráldicas, representam, inclusive, os diferentes povos que entraram na composição étnica do Município e contribuíram cada um ao seu modo, para a formação e o desenvolvimento social de Juiz de Fora: portugueses, indígenas, negros, italianos, alemães, sírios e libaneses. Figuram elas nas bandeiras das nações referidas, exceto das indígenas, que não as tinham e que são representadas na bandeira pelo vermelho. O triângulo é o da bandeira do Estado de Minas Gerais e evoca a Inconfidência Mineira.
 
Um de cujos participantes - o Dr. Domingos Vidal Barbosa - era, ao tempo da conjuração, morador na fazenda do juiz de fora". É uma bandeira de composição original.

Quanto ao hino, a letra foi escrita por Lindolfo Gomes e a melodia por Duque Bicalho . Dele retirei a estrofe que segue abaixo por enaltecer a cultura e o trabalho:

"Das cidades brasileiras
Sendo a mais industrial
Na cultura e no trabalho
Não receia outra rival"

Três gerações e uma cidade

Fora de discussão está o fato de que a leitura ultrapassa a mera decodificação de sinais. Um leitor competentente, segundo Brandão e Micheletti (1997,p.23) é "capaz de ultrapassar os limites pontuais de um texto e incorporá-lo refelexivamente no seu universo de conhecimento de forma a levá-lo a melhor compreender seu mundo e seus semelhantes." As mesmas autoras afirmam que " A literatura é um discurso carregado de vivência íntima e profunda que suscita no leitor o desejo de prolongar ou renovar as experiências que ele veicula. Constitui um elo privilegiado entre o homem e o mundo, pois supre as fantasias, desencadeia nossas emoções, ativa o nosso intelecto, trazendo e produzindo conhecimento."
 
A escolha aleatória dos três poetas nos levou a uma intrigante coincidência: Belmiro Braga (BB), José Jacob (JJ) e Murilo Mendes (MM). Eis a tríade, cujas biografias poderão ser lidas no blog http://artculturalbrasil.blogspot.com.br/

 
Um Romântico, um Modernista e um Contemporâneo!
 
 
 
 
 
Belmiro Braga, nasceu a 7 de janeiro de 1872, na Fazenda da Reserva, em Vargem Grande, depois Ibitiguaia, distrito de Juiz de Fora (hoje, Município Belmiro Braga). Morreu em Juiz de Fora, no dia 31 de março de 1937.Vide biografia completa no blog http://artculturalbrasil.blogspot.com.br/      
 
"Pela estrada da vida subi morros,
Desci ladeiras... e afinal te digo:
Se entre amigos encontrei cachorros,
Entre os cachorros encontrei-te, amigo!"
(Belmiro Braga)

Belmiro dedicava um sentimento de grande ternura; e o tom chistoso, alegre, com que brindava àqueles a quem não podia dedicar apenas carinho. No fundo, um humor sadio, às vezes irreverente, mas nunca agressivo ou ferino. Era terna e alegre a sua Musa. E acima de tudo, humana. Os temas prediletos do poeta Belmiro Braga são os seguintes: a terra natal, a família, a natureza, as instituições sociais e as mulheres; estas eram descritas, às vezes, de forma irônica e sutilmente preconceituosa. Em seus poemas, é possível perceber também o forte apego às suas raízes e o amor que nutria pela terra em que nasceu. Na leitura de seus poemas, porém, pode-se observar que a terra, a família, a natureza são reais, representando o retrato de seu cotidiano, nada idealizado, nada distante da realidade vivida, mais que um elemento da natureza, é um amigo, com quem dividiu suas mágoas, um conselheiro do qual sente saudades. Apesar da temática quase sempre romântica, também havia temáticas mais voltadas para o Modernismo, quando o poeta escreve sobre as mulheres, como bom mineiro que era - nascido e criado no interior - apesar de ser um homem que ultrapassou as montanhas de Minas através da literatura, das viagens que realizou e das pessoas cultas e interessantes com as quais conviveu, continuava o mesmo homem simples e ligado às coisas de sua terra,seus poemas apresentam temáticas líricas amorosas, satíricas, religiosas e até burlescas, em que são registrados em versos os pequenos acontecimentos da vida diária da cidade, uma verdadeira crônica do cotidiano, da vida simples do interior. Belmiro era considerado por muitos como o melhor poeta lírico dos anos 20 e por outros, como o poeta Vulmar Coelho (1958, p. 52), como o melhor satírico brasileiro da época. Barbosa e Rodrigues (2002, p. 12), na Revista Orpheu, citam o poeta e jornalista juiz-forano, (Jornal do Poeta) Antônio Isair da Silva, que apresenta a veia satírica de Belmiro do seguinte modo: "Em sua caminhada poética, ridicularizou em seus versos: os amigos falsos, os mercenários, os corruptos, os subornadores e os vendilhões. Os malfeitores passavam aperto para esconder das penas impostas por sua pena."
 
RETROSPECTO
(Belmiro Braga)
 
Cincoenta annos já fiz, e não fiz nada
Neste meus longos cincoenta annos, feitos
De pesares, de angustias, de despeitos,
A boca sorridente e a alma enlutada.

A estrada do Dever foi minha estrada,
Da Virtude segui os sãos preceitos,
E nem honras, nem glorias, nem proveitos
Encontro ao fim da aspérrima jornada...

Vivi sonhando com manhãs radiosas,
Com bosques verdes, passaros e ninhos,
E deu-me a vida noites tormentosas,

E deu-me campos mortos e maninhos...
Cincoenta annos vivi semeando rosas,
Cincoenta annos vivi colhendo espinhos...
                                                 
(1922)
 
A fala irreverente e criativa de Belmiro Braga mostra ao leitor uma ruptura em relação aos padrões literários de sua época. As maiorias dos textos poéticos da tradição literária brasileira sempre estiveram em perfeita consonância com o linguajar e a ideologia européia da qual girava o Brasil e da qual somente alguns pouquíssimos autores se distinguiam.

Outro recurso usado pelos autores modernos e também por Belmiro é a intertextualidade, ou seja, o diálogo entre dois ou mais textos, a interação entre eles. A explicitação da intertextualidade, no clássico conceito de Júlia Kristeva (1974, p.64), é a seguinte: "todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de outro texto."

Também, ao estudo de Bakthin, pode-se associar essa intertextualidade à inerente polifonia da linguagem, na medida em que todo discurso é composto de outros discursos, toda fala é habitada por vozes diversas, ou seja, além do próprio autor, a de outros autores. Importa ressaltar que referências, alusões, epígrafes, paráfrases, paródias ou pastiches, e até mesmo citações, são algumas das formas de procedimento intertextual de que lançam mão os escritores em seu diálogo com a tradição. Em qualquer desses níveis, é sempre uma retomada de outros textos, outras produções, perfazendo um jogo infinito que enreda autores e leitores. É a poesia do cotidiano, do dia-a-dia da vida brasileira, do povo brasileiro. Em seus textos poéticos, observa-se a ligação com fatos políticos, econômicos e sociais contemporâneos, fato que diminui a distância entre a realidade e o cotidiano. Descreve - de forma satírica - as ruas e pessoas da cidade, o poeta está sempre a observá-la, de longe, a percebê-la em seus detalhes, não como um lugar sagrado, mas como um lugar comum, de pessoas comuns, de quem nunca se esquece.por toda sua produção literária, merece um lugar de destaque na literatura mineira e que deve ter sua obra resgatada e difundida para que a mesma não caia no esquecimento total, principalmente neste momento em que as preocupações se voltam para a conservação da memória cultural brasileira. Além disso, ele deve ser considerado um poeta múltiplo, plural, com tendências modernistas, pela multiplicidade de características e riqueza popular que traz em si. Dele escolhemos o belo soneto, composto por versos rigorosamente decassílabos:

LAR PATERNO
(Belmiro Braga)
A meu irmão Solano Braga (1923)

 
Nesta em que vivo triste soledade,
Os olhos rasos d água, o peito em ânsia,
Recordo-me com mágoa e com saudade
Da quadra tão feliz da minha infância.
E entre o viver de agora e essa áurea idade,
Que triste, que cruel, que atroz distância!
E a manhã que passou voltar não há de
Impregnada de tépida fragrância?!...
Serras virentes, que não mais transponho,
Na retina fiel ainda eu vos tenho
E revejo através de um brando sonho
A casa onde eu nasci, as mansas reses,
A várzea, a horta, o laranjal, o engenho
E a cruz onde eu rezei por tantas vezes...

Percebe-se, pela leitura do poema, que "A casa onde eu nasci, as mansas reses, /A várzea, a horta, o laranjal, o engenho/ "são, para ele, mais que elementos da natureza, mas amigo, com quem dividiu suas mágoas, " E a cruz onde rezei por tantas vezes..." uma conselheira da qual sente saudades. O tempo real corre célere e distancia a cada manhã o espaço entre a infância e a idade "áurea"! O ordem indireta em "E a manhã que passou voltar não há de" favorece a rima, mas realça o fato de que o já acontecido, passado é. Sem retorno!
Desde o Romantismo, falar sobre a terra natal tornou-se tema comum entre os escritores. Assim, entre as várias escolas literárias existentes no Brasil, também houve representantes que fizeram versos exaltando a terra em que nasceram. Sempre de forma exaltada e idealizada, esse foi um tema que ara natal deixou de ser recanto idílico e idealizado como sagrado para ser, simplesmente, o chão, o lar para onde se quer voltar, onde se quer estar. Assim como os poetas do Modernismo, a poesia belmiriana expressa a terra em que nasceu sob uma visão do real. Por meio dos poemas que escreveu sobre sua terra, percebe-se que a poesia brota da sua percepção do mundo e das pessoas que nele vivem. É como se, caminhando por sua terra, sem interagir com a multidão, sem mergulhar nela, limita-se a vê-la, a observá-la, extraindo dela um presente, capaz de resgatar o passado.
Sua terra natal está sempre presente em sua vida, por exemplo, quando ele se encontra em terras estranhas. António Sales, seu grande amigo, no livro "Retratos e Lembranças" traça num dos capítulos um perfil completo do poeta, seu temperamento, caráter e formação. Diz ele: "O lar paterno era uma obsessão sentimental de Belmiro. O sitio Reserva, onde nasceu e passou a primeira fase da infância, depois tão dolorosa, tão brutalizada pelos maus tratos da vida, esse sitio era a Meca para onde seu espírito se voltava num culto perene". Um de seus mais tocantes poemas, redigido em forma impessoal, foi este que ele escreveu depois de uma visita à casa paterna. Com a subversão dos modernos conceitos da poesia, como definir esta poesia discursiva, descritiva, profundamente extrovertida, sem mistérios, limpa e transparente, de Belmiro Braga? E quando falo em Belmiro, me refiro a um sem número de outros grandes poetas que continuam versejando, com tônicas bem postas, métrica e rima, todos os chamados artifícios formais da poesia tradicional.
 
 
José Antonio de Souza Jacob, filho do comerciante Antônio José Jacob e de D. Heloisa de Souza Jacob, nasceu em Juiz de Fora (MG) em 11 de fevereiro de 1950. Acadêmico - HONORÍFICO DA AVPB, ocupa a cadeira de honra nº 01. Desde as primeiras letras o menino José Antonio de Souza Jacob foi estimulado a ler poetas, levado pela mão de seu pai, um comerciante que apreciava poesia, especialmente a dos brasileiros e dos portugueses. Entre as leituras de sua adolescência estão poesias de Raul de Leôni, Mário Quintana, Augusto dos Anjos, António Nobre, Cesário Verde, Fernando Pessoa, José Gomes Ferreira e Charles Baudelaire. Da mãe Heloisa herdou a doçura das palavras e a maneira singela de contemplar a vida sem ser alienado. Seu estilo simples e requintado de escrever poesia conquistou grandes poetas e escritores, de sua cidade, e a cada vez mais conquista admiradores e leitores deste nosso País. Vide biografia completa no blog http://joseantoniojacob.blogspot.com.br/

Por sua perfeição na metrificação e na qualidade poética é considerado por muitos que conhecem sua obra como "um dos mais importantes sonetistas da língua portuguesa na atualidade". Este juiz-forano, nascido sob o signo de aquário, recusa-se a escolher seu verso do coração e a participar de escolas e grupos literários. Talvez por isso a sua vasta produção literária possa situar-se no centro da literatura juiz-forana, ao lado de Belmiro Braga e Murilo Mendes. Sem sombras de dúvidas, José Antonio Jacob é alguém que se tornou indispensável ao mundo da poesia contemporânea. Com tônicas bem postas, métrica, rima, e uma perfeita noção da sua idéia poética, todos os chamados artifícios formais da poesia nele são encontrados.

Roseiras Dolorosas
(José Antonio Jacob)

Estou sozinho em meu jardim sem cores
E ainda que eu tenha mágoas bem guardadas,
Cuido dessas roseiras desmaiadas
Que em meu canteiro nunca abriram flores.

Tais quais receosas almas delicadas
Elas se encolhem sobre seus temores
E abortam seus rebentos nas ramadas,
Enquanto vão morrendo em suas dores.

Quantas almas que por serem assim,
Como essas tristes plantas no jardim,
Calam-se a olhar o nada, tão descrentes...

Feito as minhas roseiras dolorosas
Que só olham para a vida, indiferentes,
E não me dão espinhos e nem rosas.

A obra de José Antonio Jacob empreende uma leitura da vida como um jogo contrastável, onde se encontram, paradoxalmente, alegria e dor, sorriso e pranto, esperança, desânimo, conformismo. É a coexistência entre os elementos contrários de todo o ser, ou seja, a conjugação do bem e do mal. Do belo e do horrível. As dúvidas cumulam-se no ser poético. Sobre ele, afirmou Geraldo Elísio, jornalista e ex-secretário adjunto de Cultura de Minas Gerais:"... sinônimo de poeta, logomarca da poesia, é mesmo a alma calma e sensível, de apurado senso estético e social..." E completa o poeta Gilberto Vaz de Melo sobre o livro "Almas Raras" de José Antonio Jacob: "... desta obra poética é preciso dividi-la em dois conjuntos. O primeiro formado por sonetos que causam forte impacto emotivo... O outro grupo é composto de poemas de fôlego, em sextilhas ou quadras, com métricas perfeitas e imaginação para além de inéditas. É o poeta que muitos irão amar"
No soneto em questão, "Roseiras Dolorosas", é responsável por um conjunto de imagens que compõe a atmosfera poética, no caso, o instrumental lingüístico-metafórico: os signos do fechamento e do definhar, os referentes luminosos: presença e ausência de luz, a obsedante presença da cor branca" Jardim sem cores", o lúgubre e a transfiguração alegórica do doloroso existir do eu lírico: "Elas se encolhem sobre seus temores,/E abortam seus rebentos nas ramadas,/Enquanto vão morrendo em suas dores..."
Para abordagem dos temas, o procedimento a ser utilizado é o de indicar-lhes a incidência e analisar as constelações semânticas que gravitam em torno da idéia de dor, acrescentando interpretações não definitivas, já que cada verso constitui uma fonte inesgotável de leituras. O sujeito lírico posiciona-se, antes, como um poeta inspirado por condições humanas conflitantes e dolorosas que geram um estado de dilacerante angústia. O desajuste com o mundo é a fonte de seu universo poético, por isso seus versos são belos, porque roseiras, mas horríveis porque dolorosas! São gemidos, são filhos e flores da dor, transfigurados em arte. Os dados emocionais apresentados por Jacob ocupam o primeiro plano nos poemas de Rabelo, (Laurindo Rabelo - 1826 - 1864) favorecendo a definição de uma constante intimista, e que lhe deixam aflorar uma visão dolorida da vida, estampada na tristeza, no desencanto e no tédio de viver. Essa atitude de pessimismo, configuradora de um impasse não resolvido com a vida, é emblemática.
Reina uma "atmosfera" nebulosa, povoada de sombras em que os contornos do mundo se diluem na imprecisão das trevas e os aspectos cromáticos se obscurecem na negrura de uma visão distorcida por grandes dores. Trata-se da representação de uma vivência interior, de vôos imaginativos e de um modo peculiar de apreender a realidade circundante. A escritura é um exercício da emoção, afirmando o mistério da vida num existir obscuro, destituído de vitalidade. Sequer um único verso de sua poesia nos transmite conceito de absoluta certeza de que o espírito humano já se consolidou dentro dos moldes formatados para o comportamento humano.
 
"A palavra ética se origina do termo grego ethos, que significa "modo de ser", "caráter", "costume", "comportamento". De fato, a ética é o estudo desses aspectos do ser humano: por um lado, procurando descobrir o que está por trás do nosso modo de ser e de agir; por outro, procurando estabelecer as maneiras mais convenientes de sermos e agirmos. Assim, pode-se dizer que a ética trata do que é "bom" e do que é "mau" para nós.
 
Bom e mau, ou melhor, Bem e Mal, entretanto, são valores que não apresentam, para o ser humano, um caráter absoluto. Ao longo dos tempos, nas mais diversas civilizações, várias interpretações serão dadas a essas duas noções. A ética acompanha esse desenvolvimento histórico, para que isso sirva de base para uma reflexão sobre como ser ético no tempo presente."
 
AFRONTA IMPIEDOSA
(José Antonio Jacob)
 
Em cada rua há um vendedor de flores
E anda distante o Dia de Finados;
Casais se beijam murmurando amores,
Também não é Dia dos Namorados.

Essa cidade tem muros dourados,
Por onde passam brisas sem rumores
E nos salões de imperiais sobrados
Divertem-se os fidalgos sem pudores.

E o céu é tão azul que dói na vista,
O mar parece capa de revista
E ao longe nos acena um iate à vela...

E o que mais nos afronta e desiguala
É o luxo se exibindo na novela
E essa pobreza muda em nossa sala.
 
Nessa perspectiva, a poesia surge como transformação, em linguagem, dos sentimentos, das emoções e das sensações de um eu diante de uma realidade adversa, restando-lhe apenas, como alternativa, o caminho da evasão, da vivência íntima, com imagens nascidas desse conflito, num mecanismo de autodefesa: "E ainda que eu tenha mágoas bem guardadas,/Cuido dessas roseiras desmaiadas," Este é José Antonio Jacob, elemento importante na tríade de poetas juiz-foranos, que entre os maiores inevitavelmente vai se imortalizar, engrandecendo a poesia brasileira, mesmo vivendo no mais recôndito anonimato, nos arredores de Juiz de Fora.
 
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Murilo Monteiro Mendes ( Juiz de Fora, 13 de maio de 1901 _ 13 de agosto de 1975) foi um poeta brasileiro, expoente do modernismo brasileiro. Sob a influência de Belmiro Braga, mestre e vizinho iniciou nas letras e passou a participar, eventualmente, de publicações modernistas, sempre negando ser filiado de algum movimento específico, nem mesmo do Modernismo. Vide biografia completa no blog.

Canção do Exílio
(Murilo Mendes)

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

Antes da análise propriamente dita é importante recordar Platão e Fiorin:"Com muita frequência um texto retoma passagens de outro. Quando um texto de caráter científico cita outros textos, isto é feito de maneira explícita. O texto citado vem entre aspas e em nota indica-se o autor e o livro donde se extraiu a citação.Num texto literário, a citação de outros textos é implícita, ou seja, um poeta ou romancista não indica o autor e a obra donde retira as passagens citadas, pois pressupõe que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto de informações a respeito de obras que compõem um determinado universo cultural. Os dados a respeito dos textos literários, mitológicos, históricos são necessários, muitas vezes, para compreensão global de um texto." Toda obra é fruto de influências contidas nas leituras anteriores de quem escreveu. O resultado é que as mesmas idéias, ou os mesmos temas circulam por aí na literatura do mundo, revestidos de roupagens diferentes segundo especificidades de época, autor, lugar... O fato é que existe um conjunto universo cultural, que engloba todos os textos: a literatura. E, por vezes, muitas vezes, um elemento desse conjunto estabelece relação de sentido com o outro. Temos aí uma intertextualidade. Saber o que é intertextualidade é fácil. Quase todo mundo sabe. Difícil é percebê-la nos textos, e entender o porquê de estar ali, a intenção do autor e o contexto histórico em que se encontra. É o caso deste poema de Murilo.

É bom lembrar a "Canção do Exílio", de Murilo Mendes é um poema modernista. Nela, encontramos várias características dessa escola, mas duas se manifestam especialmente: revisão do passado histórico e nacionalismo crítico. É proposta do nosso modernismo olhar a história do Brasil e repensar os fatos.

Murilo Mendes também converteu a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, que segue os moldes do ideal romântico, cultuando a saudade de sua terra natal. Murilo em uma clara paródia, no entanto, não abandona o tema da saudade e exílio, mas fala de um exílio diferente - dum "exílio na própria terra" e da saudade das coisas naturais do Brasil."Substituindo as palmeiras por macieiras (até os dias de hoje não se sabe ao certo quando e onde se originou a macieira, e qual ou quais foram as espécies silvestres que deram origem à maçã contemporânea, cujas variedades são atualmente conhecidas. Podem ser, por exemplo, a malus sylvestris, originária da Europa, a malus prinifolia, originária do cáucaso e de parte da Rússia, ou todas elas em conjunto) e os sabiás por gaturamos, sendo estes de origem brasileira. Próximo da rua em resido, há uma bela avenida de nome Gaturamo. Ele possui as cores da Bandeira brasileira, o que lhe valeu o apelido de "Bandeirinha". Também é conhecido como Bonito-do-campo, Aqui, Murilo coloca em oposição a fruta e a ave. "Minha terra tem macieiras da Califórnia/onde cantam gaturamos de Veneza."

Murilo satiriza a colonização cultural, a europeização da terra e dos costumes", o protesto contra a colonização" física e cultural no Brasil, contra as coisas e idéias que vem de fora do Brasil, que demonstra um notório espírito Pau-Brasil e antropófago". Já nos primeiros versos podemos observar a macieira como símbolo da invasão cultural norte-americana e os gaturamos, pássaros multicoloridos, em vez de sabiás. No terceiro e quarto versos, Murilo refere-se à poesia simbolista, principalmente a de Cruz e Souza, um poeta crioulo, e ao distanciamento entre esse poeta e a realidade brasileira. Do sexto até ao nono verso o poeta aproxima diferentes palavras e junta afirmações que aparentemente não dão sentido, que, no entanto provocam um "efeito de estranhamento". Os pernilongos certamente não foram postos no poema por acaso. Murilo faz ver que é incomodado tanto pelos pernilongos como por todos os citados nos seus versos. O poeta não deixou de incorporar o cotidiano na sua canção, que se nota no décimo verso, mas acrescenta a Gioconda, a pintura de Da Vinci dependurada na parede, que testemunha as desavenças da família. Como já disse, o exílio do Murilo é só um exílio simbólico e o poeta quer mostrar mais a opressão que sofre pela invasão cultural estrangeira, que no poema é salientada na terceira estrofe. Sufocado na própria terra, ele ainda afirma que as flores e frutas nacionais são mais bonitas e gostosas, porém custam mil reis a dúzia. Os versos finais evidenciam explícita saudade das coisas genuinamente nacionais – a fruta carambola e o segundo, de forma irônica, canta-nos um poema sob uma boa dosagem de humor, sem perder de vista o caráter político e social para nos revelar a realidade do nosso país, quanto a valorização dos produtos estrangeiros e a negação daquilo que produzimos. Já em Gonçalves dias e somente nele, o "Sabiá" aparece como substantivo próprio. O texto é estruturado a partir do contraste entre a paisagem européia e a terra natal - jamais nominada, sempre vista com o olhar exagerado de quem está distante e, em sua saudade, exalta os valores que não encontra no local de exílio. A construção patética (de pathos, comoção) é feita pela repetição das idéias expostas nos versos iniciais e pela súplica dos últimos versos: a ave sabiá é um dos exemplos dessa alienação às coisas da terra. Repetindo: é impossível que não se perceba uma pesada crítica a vários aspectos da sociedade brasileira, revestidos de um certo humor negro e ácido. Começa criticando as influências estrangeiras, representadas no início do texto pelas macieiras da Califórnia e gaturamos de Veneza. Poetas pretos vivendo em torres de ametista significa que nossos poetas são elementos de condição social inferiorizada e submissa, e habitam um mundo idealizado, alienado e em descompasso com o mundo real (trata-se também de uma fina ironia ao simbolismo, e mais especificamente, ao poeta Cruz e Souza, que era muito negro e, tal qual o simbolismo, apreciava os altos vôos de imaginação). Sobre os sargentos serem monistas, cubistas, é fácil a compreensão: quem tem o dever de garantir a segurança do país perde tempo enveredando-se por teorias estéticas e filosóficas sem aplicação. Sobre os filósofos polacos, sabemos que "polaca" é um termo designativo de prostituição, portanto, os amigos do conhecimento vendem a prestações, são capitalistas, mentes prostituídas, sem ideais que não os da venalidade. Os oradores, assim como os insetos, só sabem fazer barulho, e nossa natureza até que é realmente maravilhosa, mas nada acessível para a maioria da população, e, como se não bastasse, o Brasil perde a sua autenticidade ("ai quem me dera chupar uma carambola..."), a ponto de parecer uma terra estrangeira. Nada parecido com entusiasmada homenagem da canção do exílio original.
À guisa de conclusão
Que há beleza, emoção, comunicabilidade no que escrevem os três grandes poetas, não há dúvida. Que realizam autênticas obras de arte, só os sectários podem negar. E então teremos que rebatizar o gênero literário de que se servem, já que as correntes modernas se apoderaram da palavra. – poesia – e erigiram novos tabus de conceituação. Para os estetas das novas correntes, os cristais teriam de subverter as leis da cristalografia se quisessem permanecer como símbolos de beleza, nos tempos atuais. A tríade juiz-forana está de corpo inteiro, em suas obras. Há que se lembrar que estamos falando de exímios poetas e trovadores! Trovador, no velho e no novo sentido da palavra, estava em permanente dueto lírico com a vida. Tudo lhe era assunto para a quadra, um soneto, uma redondilha. A gente vai lendo e se admirando de que as palavras casem tão bem no fim dos versos, como se tudo já estivesse feito, e o poeta fosse apenas o "instrumento" que as canta e divulga. Filósofos do povo, eles, com graça e inteligência, iam e vão fixando a alma de sua gente. Está neles, - eles próprios não sabiam e não sabem que encarnam e simbolizam em sua poesia ao fixar a vida, - a alma do nosso mineiro, homem do interior, construtor de um país mais digno e humano. A verdade em relação aos três grandes poetas é uma só: poetas, com tal força de expressão e com tão profundo sentimento de humanidade, não precisam de escolas. São Poetas. Sobreviverão a qualquer tempo.

Serão sempre lidos e ouvidos. E isto basta. Está cumprida a missão.

REFERÊNCIAS
 
ARRUDA, Maria A. do Nascimento. Cultura e política. In: Mitologia da
mineiridade: o imaginário mineiro na vida política e cultural do Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1990. p. 197-255.
BAKHTIN, Mikhail. O discurso na poesia e o discurso no romance. In:
Questões de literatura e estética: teoria do romance. São Paulo: UNESP, 1990. p.
85-106.
Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de
Janeiro: Forense-universitária,1981.
A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rebelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. 5. ed. São Paulo: Annablume, 2002.
O método formal no estudo literário: uma introdução crítica à poética
sociológica. Trad. T. Bubnova. Madrid: Alianza Editorial, 1994 [1928].
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais
do método sociológico na ciência da literatura. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi.
São Paulo: Hucitec, 1979.
BARBOSA, Leila Maria Fonseca. Belmiro Braga: Sacrário (versos íntimos). Texto e
avaliação. 1979. 199 f. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária) – Universidade
Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora.
RODRIGUES, Marisa Timponi Pereira. Belmiro Braga. In: Letras da
cidade. Juiz de Fora: Funalfa, 2002. p. 34-37.
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maio 2002. Publicação sobre Belmiro Braga - Funalfa.
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